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  • Foto do escritorDirecta Consultoria

O IMPACTO DA COVID NO PACTO FEDERATIVO

Atualizado: 4 de fev. de 2021

As estratégias federais para o combate à pandemia da covid-19 levaram a questionamentos e embates de governadores e prefeitos em todo o país e ao mesmo tempo o presidente Jair Bolsonaro reclamou das medidas mais restritivas adotadas localmente. Em especial, pode-se citar duros momentos entre Bolsonaro e Doria e entre o presidente e Witzel. Neste cenário, o complexo pacto federativo, consagrado pela Carta Magna de 1988, volta a ser debatido e observado.



Desde o começo da República, exceção feita à Era Vargas, e durante o período militar ainda que apenas de facto, o Brasil tem sido uma federação de Estados, ou seja, nas palavras do jurista Dalmo Dallari, um país no qual se conjugam vários centros de poder político autônomo. O ilustre pensador descreve com maestria a origem de uma Federação:

A União faz nascer um novo Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estados. No caso norte-americano, como no brasileiro e em vários outros, foi dado o nome de Estado a cada unidade federada, mas apenas como artifício político, porquanto na verdade não são Estados”.


Mas ao contrário dos Estados Unidos da América, os Estados Unidos do Brazil sempre deram bem menos autonomia aos entes da federação. Com isso, a Assembléia Constituinte de 1986 tinha em suas mãos um enorme desafio, em referência à organização política do Brasil.


De um lado o passado recente da ditadura militar, que centralizou as decisões na União e baniu eleições em Estados e cidades estratégicas. De outro, os velhos coronéis locais que nunca somem do território brasileiro, querendo autonomia financeira e até tributária para seus caudilhos. O resultado? Uma Federação sui generis, que dá a municípios mais competências exclusivas do que a Estados-membros da federação. Impostos são cobrados exclusivamente por municípios que sequer precisam de aprovação de seus governos estaduais, enquanto alguns impostos estaduais carecem de validação do Congresso Nacional (na prática, ISS e ICMS).


Nenhum outro país do mundo possui uma federação como a nossa. São entes federados, de acordo com a Carta Magna de 1988 os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Há ainda a previsão de territórios (que não existem na atualidade) e de criação de um regime jurídico para regiões metropolitanas que ainda não ocorreu. Essa confusão de ideias acaba por gerar um vazio de responsabilidades, em especial em decorrência da pandemia de covid-19.


Em síntese, cada município tem suas atribuições definidas pelo Artigo 30 da Constituição, e cada Estado tem como competência tudo que não for da União ou dos municípios (Art. 25, § 1º da CF). Foi a costura necessária para se atender o afã centralizador do legislador e as vontades dos regionalismos do coronelato.


Adicionalmente, é necessário lembrar que no Brasil vale a máxima de quem é maior, pode mais. Assim, um Estado poderá intervir num município, seguindo as diretrizes da Constituição Federal e da respectiva Constituição Estadual, e a União pode intervir no Estado, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro em 2018, na área de segurança pública. Para tanto, o titular do Poder Executivo da União deve criar um Decreto de Intervenção, que precisaria ser aprovado pelo Congresso Nacional (Art. 36, § 1º da CF). Bolsonaro então poderia lançar mão de tal artifício para derrubar as decisões estaduais que apontam para isolamento social e fechamento do comércio. Vejamos o que diz o texto constitucional:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; (...) VII - assegurar a observância dosseguintes princípios constitucionais: (...) b) direitos da pessoa humana.


É possível interpretar que uma decisão de intervenção federal nos estados poderia se basear em qualquer desses três incisos do artigo 34 da Constituição, ainda que muitos juristas discordem, como se vê em matéria da Folha de S. Paulo (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/entenda-os-limites-da-caneta-debolsonaro-e-possiveis-ameacas-a-democracia.shtml). O


Por outro lado, é evidente que em boa medida se pode alegar grave comprometimento da ordem pública, seja em função de questões de saúde, seja em questões relacionadas à economia. Não obstante, o presidente pode ainda defender que o direito das pessoas ao trabalho somente assegurar-se-ia diante da abertura de estabelecimentos comerciais. Difícil acreditar, no entanto, que na atual conjuntura, o Congresso Nacional daria aval a uma iniciativa desta natureza, pois o apoio a Bolsonaro está minguando.


Fundamental relembrar ainda que existem outros instrumentos na Constituição Federal que permitem ao presidente da República a gestão própria da crise, ignorando qualquer tipo de divisão de poderes ou do pacto federativo. O Brasil já se encontra em estado de calamidade, após aprovação do Congresso Nacional.


Na prática isso derruba a Lei de Responsabilidade Fiscal, permitindo ao Executivo que gaste mais do que o permitido pela LRF. Há ainda o estado de defesa e o estado de sítio, que podem ser instituídos em situações bem específicas que provavelmente não se enquadram ao cenário brasileiro. Eles carecem de consulta ao Conselho da República e ao Conselho de Defesa Nacional e, a exemplo da intervenção e da calamidade, de aprovação do Congresso Nacional, o que não parece ser aplicável depois dos últimos embates de Bolsonaro com o Poder Legislativo.


De toda forma, Bolsonaro segue enfrentando os governadores e os prefeitos, ainda que o próprio Supremo Tribunal Federal já tenha decidido que Estados e municípios têm autonomia para decidir a respeito de práticas referentes ao combate da covid-19 (ADI 6341, em 15/ABR/2020).


Bolsonaro diariamente mostra desconforto em relação ao isolamento social e pressiona paulatinamente para o afrouxamento das medidas de isolamento. A Constituição e o pacto federativo brasileiro dão opções ao presidente, que pode tentar se agarrar em ideias demagogas para fortalecer suas bases, e, em última instância, realizar intervenções nos Estados.


A sorte do Brasil é que o sistema de freios e contrapesos foi bem desenvolvido pelo legislador, e uma ideia dessas precisaria passar pelo crivo do Congresso Nacional. Em que pese a recente aproximação de Bolsonaro com a massa de deputados que se orientam da mesma forma, chamada de Centrão, (grupo suprapartidário e fisiológico que detém a maioria do Parlamento), parece improvável que uma atitude dessa magnitude, como intervenção, estado de defesa ou de sítio, seja validada pelo Parlamento.

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